Cinco Documentários para descobrir na Netflix  

A Netflix chegou a Portugal apenas nos últimos meses do ano passado, mas já conquistou milhares de cinéfilos e viciados em séries de televisão um pouco por todo o país. Com um catálogo interessante – ainda que limitado em comparação com outros mercados – em constante renovação, é na secção de Documentários que se encontram os títulos aos quais dificilmente teríamos acesso sem o serviço de streaming televisivo mais popular do planeta. Deixo-vos com cinco sugestões disponíveis nesta área da plataforma que podem ter-vos passado despercebidas:
 
Going Clear: Scientology and the Prison of Belief (2015)

“Going Clear: Scientology and the Prison of Belief” é um documentário da HBO sobre os segredos escondidos da Cientologia, baseado em imagens de arquivo, documentos federais e vários testemunhos de algumas das principais figuras da seita que entretanto conseguiram fugir às teias do código de silêncio imposto pela religião. Sim, leram bem, para a justiça norte-americana, a Cientologia é uma religião equiparada a qualquer outra, pelo que está protegida pela primeira emenda: não paga impostos, não precisa de responder em tribunal perante quase todas as acusações, pode construir e/ou comprar com privilégios debaixo do manto da utilidade pública e não tem que declarar um único documento. Um verdadeiro thriller, tão real quanto chocante.

Best of Enemies (2015)

Dois homens, dez debates e a televisão nunca mais seria a mesma. De um lado, o republicano conservador, braço direito de Reagan, William F. Buckley Jr.; do outro, o escritor democrata pós-modernista, amigo de JFK (mas posteriormente inimigo de Bobby Kennedy, que o considerava um rival numa possível futura candidatura a Presidente) Gore Vidal, um homem muito à frente do seu tempo, por exemplo um dos primeiros a assumir em praça pública que era homossexual, sem qualquer medo das represálias que tal reconhecimento traria à sua vida pública e privada em plena década de cinquenta. Porque é que a televisão nunca mais seria a mesma? Numa época (final dos anos sessenta) em que existiam duas grandes cadeias de notícias, a CBS e a NBC, a pequena ABC tentava ganhar notoriedade e audiências; sem dinheiro nem meios para fazer as coberturas integrais das convenções políticas que as concorrentes faziam, a ABC apostou num formato de estúdio nunca antes pensado: um frente-a-frente entre dois opinion-makers, senhores de uma retórica inigualável, mas que defendiam pontos de vista totalmente opostos sobre quase tudo na vida política e social norte-americana. O que hoje é banal em todo o mundo, o debate televisivo, seja sobre política ou futebol, teve a sua génese com Buckley e Vidal. Um documentário edificante, que não toma partidos, mas que abre o apetite ao espectador para explorar a vida e obra de Gore Vidal.

Chuck Norris vs. Communism (2015)

Roménia, 1985. O regime comunista de Nicolae Ceaușescu dura há duas décadas. O povo romeno vive isolado culturalmente, privado da sua liberdade de expressão, controlado em todos os seus movimentos pela polícia secreta. A televisão nacional só passa propaganda comunista e socialista e a venda de leitores VHS está proibida. É neste contexto que vão nascer duas lendas clandestinas do povo romeno: Irina Nistor, a voz mais conhecida da Roménia, tendo dobrado sozinha todas as personagens de cerca de três mil filmes norte-americanos, e Teodor Zamfir, o homem que clandestinamente trouxe milhares de cassetes e leitores VHS para Bucareste, que contratou Irina e deu-lhe, na sua própria casa, todas as condições para executar as dobragens. Ela era a voz da liberdade e da esperança; ele, o responsável por todo um movimento underground que lhe transformou num dos homens mais ricos e influentes da Roménia. Didáctico a nível político e histórico, delicioso na forma como demonstra o poder do cinema.

1971 (2014)

No dia 8 de Março de 1971, um grupo de oito activistas roubou todos os documentos que estavam numa filial do FBI na pequena vila de Media, na Pensilvânia. Nos dias seguintes, divulgaram os mesmos por jornalistas e congressistas de todo o país, tornando do conhecimento público uma série de actividades ilícitas da agência federal norte-americana. Consequência imediata? A primeira investigação da história do Congresso sobre uma entidade governamental. Melhor ainda? Esses activistas nunca foram apanhados. Agora, quatro décadas depois, esta é a sua história sobre o planeamento, a execução e o impacto dos seus actos na sociedade norte-americana de então e de agora, sob o trabalho de recriação irrepreensível da estreante Johanna Hamilton. Quais os riscos que valem a pena tomar para expor o abuso do poder? And who watches the watchmen?

Peri da Pituba (2014)

Perivaldo Lúcio Dantas, mais conhecido dentro de campo como o “Peri da Pituba”, foi um lateral direito histórico do Botafogo, duas vezes Bola de Prata do campeonato brasileiro e companheiro da selecção canarinha de estrelas como Zico e Sócrates, nos tempos áureos de Telê Santana. Depois de um contrato milionário quase em fim de carreira na Coreia do Sul que não correu bem, viajou no final da década de oitenta para Portugal para integrar a custo zero o Sporting de Marinho Peres. Mas ditou a sua sorte (ou falta dela) que a limitação da altura de um máximo de três jogadores estrangeiros por cada plantel o atirasse para uma reforma inesperada, tendo permanecido por cá por (mais) uma paixão que não funcionou. Foi gastando o que tinha, emprestando o que não devia, perdendo o que não podia para doze mulheres (e onze filhos) espalhados por todo o mundo e, quando deu por si, era um sem-abrigo, um vagabundo em Lisboa, dormindo na rua em cima de caixotes de papelão, sobrevivendo dos apoios da Santa Casa da Misericórdia e das bugigangas que vendia – muitas delas encontradas no lixo – na Feira da Ladra. Uma solidão que o devorava mas que sempre escondeu dos familiares com quem tinha contactos telefónicos no Brasil; até que a televisão o descobriu e, em parceria com o Sindicato de Jogadores do Rio de Janeiro, devolveram-lhe a dignidade, o nome e a vida que lhe tinha escapado entre os dedos no último quarto de século. Um retrato simples, mas emocionante, que coloca muitos detalhes da nossa vida em perspectiva.